Num trecho dos preliminares à tradução do poema de Mallarmé, Haroldo de Campos escreve:

“TODO PENSAMENTO EMITE UM LANCE DE DADOS (TOUTE PENSÉE ÉMET UM COUP DE DÉS): O final é também o recomeço, o impulso para uma recapitulação do lance e de tudo. Da capo, como Joyce o fará no seu FW, solidarizando a última e a primeira páginas do Livro com a senha de palavra-travessia ricorrente (riverrum). No ‘soneto em ix’, miniatura do Coup de Dés, o ‘spétour de cintilações’ das estrelas da Ursa ‘fixa-se’ num espelho, enquanto (GC deslinda) a Angústia dédie (‘dedica’, alusão a e a digitum, dedo) seus ‘ônix’ (do grego, ónux, unha) com as purs ongles (‘puras unhas’). Circuito especular, mais uma vez. Emite exibe, ainda, uma conotação ejaculatória, espermática, fecundante, que se liga à matriz feminina, genésica, vislumbrada por GC tanto em cirCONstances como em CONstellation (leitura retomada recentemente por Derrida). Aqui caberia uma referência a um dos últimos textos de Oswald de Andrade (‘Um Aspecto Antropofágico da Cultura Brasileira’), onde o ‘naufrágio’ do Poema é assim interpretado: ‘A angústia de Kierkegaard, o ‘cuidado’ de Heidegger, o sentimento do ‘naufrágio’, tanto em Mallarmé como em Karl Jaspers, o ‘Nada’ de Sartre, não são senão sinais de que volta a Filosofia ao medo ancestral ante a vida que é devoração. Trata-se de uma concepção matriarcal do mundo sem Deus’. Compare-se como essa visão ‘antropofágica’, a leitura ‘cibernética’ de Jean Hyppolite: de um lado, a ‘entropia’ (o Acaso), a marcha inexorável dos processos físicos para a aniquilação térmica; de outro, o ‘demônio de Maxwell’ (o ulterior demônio imemorial), insinuando a possibilidade de suspender, por um breve lapso de tempo (ou vida), essa fatalidade cósmica. O importante aspecto de síntese não-excludente de nenhuma das soluções aparentemente contraditórias do final do Poema, foi ressaltado por GD. GC fala em ‘tautologia absoluta da significação’: a frase final, em contraste com a frase-título, nos diz que ‘por mais que um pensamento esteja sob o influxo do acaso, e mesmo que ele seja o acaso, o contrário é igualmente verdadeiro’. (Julia Kristeva, de certo modo, reformulou esses mesmos conceitos: tratar-se-ia, antes, de uma ‘idempotência’, de uma ‘operação ortocomplementar’, conduzindo à ‘reunião não-sintética A-O de dois termos que se excluem’). A circularidade do Texto mallarmaico admite, assim, uma progressão e se expande infinitamente em curva espiral. O poema vige como um oxímoro supremo, suspenso entre o JAMAIS e o NADA, no fio vibratório de um TALVEZ”.

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